A Grande viagem
A Grande viagem
Frutos
Dizem
que a verdade produz frutos. Se for assim a mentira também produz. A falsidade,
a inveja, tudo produz frutos. Portanto pode-se considerar que o fruto da mentira
pode ser um jiló disfarçado de maçã. O da falsidade, uma pera palatável por
fora e podre por dentro e o fruto da inveja, uma banana nanica querendo ser
caturra, e o fruto da verdade
pode ser um lindo suco de frutas numa manhã de verão, principalmente se for
hoje, que está quente pra caramba.
O preço da liberdade
A
formiga subia apressada pela porta do teatro. Eu admirava a sua capacidade de
se locomover na vertical. Chegando no teto, ela seguiu para a esquerda. Na
quina da parede, se enroscou numa teia de aranha. A porta do teatro se abriu.
Eu segui a fila e a formiga ficou lá, embaraçada, pagando pelo excesso de
liberdade.
A máquina desarvorou
A palavra se revela
A palavra se revela, eu me arrepio no chão. Pretendo brigar com ela, destravo a foice e o facão. É quando tudo desliza, ideias cortam o clarão: palavra, mente, pesquisa, tudo brotando da mão. A claridade harmoniza, o asco, o isto, a noção, tudo parece que brilha, até concluir, solidão
O Tempo II
Se não existisse a morte
Imagino-me em um filme, eu o ator, o criador, o diretor. Fácil viver lá dentro. Lá eu não tenho medo, eu represento o medo. Eu posso estar andando nos becos mais sórdidos e, de repente, ser hostilizado por um grupo de viciados. Minha reação pode ser infinita: posso me impor, lutar até a morte, posso usar como arma a retórica, depende do texto, posso sair dali sem que ninguém me veja, posso até morrer que nada vai mudar (eu não vou morrer mesmo!) No fim eu troco de roupa e vou-me embora.
Se não existisse a morte nós viveríamos eternamente dentro de um filme, sem medo, sem angústia, mas também, o nosso tédio seria bem maior.
Morrer como todo mundo
Chuvas diferentes
O agora vazio
Mulher
bonita
A mulher bonita é sol, lua, noite
estrelada, solidão.
A mulher bonita ama, se arruma, banha-se
em jasmim, ilusão.
A mulheres bonita são bonitas por
terem nascido assim, quinhão.
Sua beleza silencia, constrange,
imbeciliza, admiração.
E as feias, que se acham bonitas,
conseguem se igualar a elas na imaginação.
0 seu passado condena
Quando você começa a desprezar os jovens, pode saber que toda a juventude que existia aí se esvaiu. Você ficou velho e não se lembra ou não quer se lembrar de todas as inconsequências da sua juventude. É nesse momento que você, um sujeito perfeito, sem mácula na sua honradez, segura esse quinhão, como se os jovens de agora fossem diferentes dos jovens de outrora. O seu passado condena.
A galinha ideal
Olha,
Deus que me perdoe por dizer isso, mas com toda a perfeição da Sua criação, eu
acho que a galinha deveria dar o ovo, a carne e o leite. Seria maravilhoso ir
ao quintal ao amanhecer e ordenhar a galinha para complementar a mesa do café
da manhã. Isso, além de ser muito mais prático, nos livraria da flatulência das
vacas, que causam grandes transtornos, como o efeito estufa e o aquecimento
global.
Palavras
Às vezes algumas palavras que me vêm
à mente, conforme o meu ponto de vista, não estão de acordo com o seu
significado. São palavras, frases, nomes
próprios, que ficam incomodando o inconsciente. Claro que algumas têm o sentido
semelhante, e muitas dela um sentido completamente diferente:
Buraco
sem volta
A tendência é de que a idiotização da humanidade venha a piorar ainda mais, como vem piorando através dos séculos. A tecnologia, os meios de comunicação, usados com sabedoria, são muito eficientes para ajudar o homem na sua jornada, como na medicina, na agricultura, mas a internet, com todo o seu poder de comunicação, veio para normalizar a vulgaridade e a estupidez, e sem sombra de dúvidas está levando a humanidade para um buraco sem volta.
A Lua
A Lua virou cachorra. Já não tem dentes, não enxerga, nem ouve. Quando aponta no corredor, parece um bichinho de corda. Seu contato com o mundo se dá através do tato e do olfato. Ao perceber carinho, abana lentamente o rabo, apoia a cabeça sobre a minha perna, fecha os olhos e volta a encantar o céu.
O
suicida
Se você for se suicidar, escolha um dia nublado, já que exercerás um ato lúgubre. Não escolha um dia de sol, onde os pássaros cantam e as crianças brincam no parquinho. Não incomode os transeuntes, caindo de um prédio como um saco de farinha. Tenha dignidade na hora da morte. Se possível seja reservado: esfaqueie o seu pescoço no banheiro e se esforce para não emitir gemidos.
Os
sapatos
Finalmente ele deitou com os sapatos. Era tão limpo, tão higiênico, nunca imaginou que um dia o colocariam ali deitado, de mãos postas, cheio de flores ao redor, e os sapatos emergindo entre rosas, crisântemos, margaridas e copos-de-leite. Nesse momento ele ainda carregava, na sola dos calçados, as manchas das sujeiras da cidade
O rol
dos que não queriam e não foram
Bom
senso e senso comum
Os
relógios
O diabo e o bom Deus
O diabo saiu de cena. Ninguém mais o teme como antigamente. Hoje todos temem a Deus, como se Ele fosse vingativo e mau. Se Ele é todo amor, jamais castigará alguém. O diabo, aproveitando dessa mudança de foco, foi para os púlpitos disseminar o preconceito, o ódio, o medo, a descriminação.
Benesses
Fantasmas
pelados
Brincos
de ouro
Brincos de ouro enfeitam orelhas perecíveis. Orelhas perecíveis mutilam-se para suportar brincos de ouro. No fim as orelhas enfeitam o caixão. Os brincos de ouro ficam guardados. As orelhas, sem os brincos, dão sentido anatômico ao rosto do morto. Quem perde um brinco de ouro se desespera. Quem perde a cabeça vai preso.
Começar
de novo
O mundo está tão incompreensível que eu sempre coloco minhas observações negativas a respeito. Um dia, se algum sobrevivente achar essas observações boiando dentro de uma garrafa em um mar revolto, pode me achar pessimista, porque, quem conseguir sobreviver à grande catástrofe que está por vir, terá uma fase gloriosa, até se esquecer de todo o infortúnio e começar todo o processo de destruição novamente.
Ponto
de vista