Germes
Quando eu morrer, logo serei germes - milhares
deles - e hei de cumprir a função de comer as taboas do caixão.
E quando eu morrer germes, me
multiplicarei?
Não sei!
Protesto
Preciso escrever sobre coisas, sobre casos, sobremaneira, sobretudo, sobremesa, sobressalente. Preciso abrir as asas e voar para bem longe dos meus pés, dos meus dentes, do meu olfato. Preciso sair correndo, correndo sem estar fuginfo, correndo para encontrar a iluminação intelectual que me falta. Tenho que sair da bolha escura, dizer boceta sem autocrítica, sem achar que estou sendo vulgar, banal, pornográfico. Preciso achar o caminho das pedras sobre as águas do rio, sem que ninguém perceba o engodo. Preciso dizer puta que pariu em voz alta, escrever em voz alta, ouvir a minha voz alta no pensamento ao escrever filho da puta. Eu não cuspo nos desafetos. Já não existem mais jornais para cuspir na foto deles como fazia o meu sogro, um grande jornalista reacionário mineiro, que participou e documentou a política nacional desde a época da ditadura de Getúlio Vargas, seu amigo.
Mas
para quem quer fugir eu estou voltando para detalhes insignificantes do
passado. Para quem quer sair daqui, alcançar a liberdade de outras linguagens,
eu estou voltando. Se eu estivesse no mato, estaria falando sobre o rio, o
vento, o sol. Se estivesse na praia falaria sobre a maresia implacável
corroendo tudo o que é de ferro, mas não! Eu estou na cidade, no centro dela.
Agora ouço uma sirene. Deve ser uma ambulância. Esse é o caminho para o Pronto-
Socorro. Eu estou no centro. Em frente à minha janela, do outro lado da rua,
estão construindo um prédio de 12 andares. Já tem janelas, vidros, lajotas
claras nas paredes e estão concluindo os jardins da entrada. Logo colocarão uma
cerca. Que seja uma grade para que não escureça a paisagem. Os pedreiros
martelam, os carros passam. Estou escrevendo como escrevia no Rio, na década de
70, quando reclamava da cidade, mas maravilhado de estar nela. O tempo
passou. Eu estou aqui em outra cidade, reclamando do mesmo jeito. Nada mudou.
Nada muda. Só que agora eu estou reclamando da minha falta de imaginação para
escrever, pintar, desenhar. A burrice da humanidade ao lidar com a natureza
está me afetando. Isso deveria me incentivar, não me destruir.
Pelo
menos eu tenho a cidade para culpar, mesmo que não seja ela.