As moscas
Na sala vazia uma mosca voa zumbindo, acompanhada de várias mosquinhas silenciosas, refletidas no espelho trincado.
Translado
O caixão, descendo no elevador, levava o defunto
aprumado. Foram tantos anos sucumbindo até chegar ali; de terno, sapatos
engraxados, e aquelas flores querendo devorá-lo. Pareciam antecipar a função
dos germes.
Foram tantos anos sucumbindo até chegar ali, e naquele
momento, as flores, algumas já despedaçadas sobre o morto, de pé, dentro do
elevador, ainda procuravam a claridade.
O
morto, indiferente, seguia em frente, sem se importar com o fato de que logo
seria esquecido.
Carências
Um homem sem dinheiro, um carrapato sem vaca, uma pulga sem cachorro, um rato sem lixo, um verme sem cadáver, uma planta aquática sem lago, uma minhoca sem terra, uma abelha sem flor, um peixe sem rio, uma baleia sem mar.
Não sejamos limitados, isso não é o fim
do mundo.
Um homem pode muito bem viver sem
dinheiro. Troque de lugar com a coruja. Você não se interessará por dinheiro e
será muito mais inteligente.
Na falta de lixo os ratos poderiam limpar
as cidades dos vômitos dos indignados.
Os carrapatos podem procurar o cavalo em
vez de vaca, e as pulgas,
um gato.
Os vermes podem comer os mortos-vivos pelas
beiradas, e as minhocas, tentar a areia.
As abelhas, os restos de Coca-Cola
espalhados nas mesas de bar.
Os peixes podem procurar os aquários, e as
baleias os museus arqueológicos.
Para tudo há uma solução.
O meu nome
O meu nome é Nerino. Esse nome me
foi dado pelos meus pais. Suponhamos que eu já tenha vivido vidas passadas e
tenha tido, em cada uma delas, um nome: João, Lorenzo, Haruki, Cheng Hao, Maria
das Dores.
Todos os nomes que me foram dados têm a sua importância pelo empenho de alguém para escolhê-los, mas quando eu voltar lá para cima, entre uma vida e outra, gostaria de saber qual o meu verdadeiro nome, qual o nome que eu sou conhecido pelos meus camaradas do lá do céu.