sexta-feira, 12 de setembro de 2025

 

0 seu passado condena 

            Quando você começa a desprezar os jovens, pode saber que toda a juventude que existia aí se esvaiu. Você ficou velho e não se lembra ou não quer se lembrar de todas as inconsequências da sua juventude. É nesse momento que você, um sujeito perfeito, sem mácula na sua honradez, segura esse quinhão, como se os jovens de agora fossem diferentes dos jovens de outrora. O seu passado condena.

terça-feira, 9 de setembro de 2025

 

A galinha ideal

            Olha, Deus que me perdoe por dizer isso, mas com toda a perfeição da Sua criação, eu acho que a galinha deveria dar o ovo, a carne e o leite. Seria maravilhoso ir ao quintal ao amanhecer e ordenhar a galinha para complementar a mesa do café da manhã. Isso, além de ser muito mais prático, nos livraria da flatulência das vacas, que causam grandes transtornos, como o efeito estufa e o aquecimento global.

quarta-feira, 3 de setembro de 2025

 

Palavras

            Às vezes algumas palavras que me vêm à mente, conforme o meu ponto de vista, não estão de acordo com o seu significado. São palavras, frases, nomes próprios, que ficam incomodando o inconsciente. Claro que algumas têm o sentido semelhante, e muitas dela um sentido completamente diferente:

            Ilusão: luz forte
            Píncaro: ideia afinada
            Glossário: papéis embolados
            Eficácia: senhora de coque
            Hierarquia: ritual de flâmulas
            Bobo: duplo idiota
            Vagina: estalo luminoso
            Basbaque: bola no alto
            Vulva:  besouro colorido
            Pragmático: sobrenome
            Farmácia: senhora distinta
            Estúpido: cuspe
            Carinho: caracol
            Prosaico: pendurado no chão
            Campina: bom de se mastigar
            Creche: gravata encardida
            Espírito: ponta de lápis
            Prosopopeia: montanha inalcançável
            Carma: meia palavra
            Brócolis: voo baixo
            Sobrancelha: enfeite de bolo
            Escória: mourão podre
            Crustáceo: pedra rosa
            Hungria: ferramenta de capina
            Veia: a ponta do guardanapo
            Glamour: cavalo voando
            Glória: redemoinho
            Lúgubre: gosma na lama
            Infringir: dirigir para trás
            Rúcula: mato seco
            Região: mulher gorda
            Cotovelo: tambor grande

sexta-feira, 29 de agosto de 2025

 

Buraco sem volta

            A tendência é de que a idiotização da humanidade venha a piorar ainda mais, como vem piorando através dos séculos. A tecnologia, os meios de comunicação, usados com sabedoria, são muito eficientes para ajudar o homem na sua jornada, como na medicina, na agricultura, mas a internet, com todo o seu poder de comunicação, veio para normalizar a vulgaridade e a estupidez, e sem sombra de dúvidas está levando a humanidade para um buraco sem volta.

quarta-feira, 27 de agosto de 2025

 

A nuvem

            Todos viam aquela nuvem. Era um pássaro perfeito. Entre os que viam
estava uma criança que acreditava ver o que todos viam, só que ela não via
o pássaro formado pela nuvem, e sim, um lindo pássaro voando perto de uma nuvem perene

sábado, 23 de agosto de 2025

 

A Lua

            A Lua virou cachorra. Já não tem dentes, não enxerga, nem ouve. Quando aponta no corredor, parece um bichinho de corda. Seu contato com o mundo se dá através do tato e do olfato. Ao perceber carinho, abana lentamente o rabo, apoia a cabeça sobre a minha perna, fecha os olhos e volta a encantar o céu.

terça-feira, 19 de agosto de 2025

 

O suicida

            Se você for se suicidar, escolha um dia nublado, já que exercerás um ato lúgubre. Não escolha um dia de sol, onde os pássaros cantam e as crianças brincam no parquinho. Não incomode os transeuntes, caindo de um prédio como um saco de farinha. Tenha dignidade na hora da morte. Se possível seja reservado: esfaqueie o seu pescoço no banheiro e se esforce para não emitir gemidos.

sexta-feira, 15 de agosto de 2025

 

Os sapatos

            Finalmente ele deitou com os sapatos. Era tão limpo, tão higiênico, nunca imaginou que um dia o colocariam ali deitado, de mãos postas, cheio de flores ao redor, e os sapatos emergindo entre rosas, crisântemos, margaridas e copos-de-leite. Nesse momento ele ainda carregava, na sola dos calçados, as manchas das sujeiras da cidade

sábado, 9 de agosto de 2025

 

O rol dos que não queriam e não foram

            Olha, eu não quero entrar para a Academia Brasileira de Letras. Vários escritores já disseram isso e acabaram entrando, outros, não. Outros vários fizeram de tudo, até se humilharam tentando uma vaga e não conseguiram.
            Eu sei que não vou entrar nunca, mas uma coisa eu garanto: acabo de entrar, em vida, para o seleto rol dos que não queriam e não foram.

quarta-feira, 6 de agosto de 2025

 

Bom senso e senso comum

            O senso está nas duas frases, mas com sentidos antagônicos.
            O bom senso denota equilíbrio, sensatez, não aceita bestamente os absurdos que o mundo lhe proporciona.
            O senso comum faz com que o indivíduo siga ao sabor das correntes, no fluxo, de acordo com as mazelas que a vida lhe oferece, sem refletir com profundidade sobre as questões às quais são envolvidos.

sábado, 2 de agosto de 2025

 

Brincadeira de pássaros

         Os pássaros utilizam-se do vento para brincar com o sol e encantar o céu, ofuscando a vista de quem quer se intrometer.

quarta-feira, 30 de julho de 2025

 

Esconderijo de peixes

            Joguei uma pedra no lago. O lago sorriu em ondas e acolheu a pedra. A pedra deixou de sustentar sapos para virar esconderijo de peixes.






sábado, 26 de julho de 2025

 

Os relógios

            Os relógios de antigamente eram mais difíceis de serem consultados. Ou você comprava um, que era bem caro, mesmo os mais vagabundos, ou andava sempre perguntando as horas aqui e ali. Nessa época também podia-se usar o relógio d’água, o relógio de areia, o relógio das flores de Petrópolis, que eu já utilizei diversas vezes.
            Hoje o relógio está em todo lugar: no rádio, na TV, no celular, nos pontos de ónibus. Isso priva o ser humano da doce ilusão de que o tempo, como antigamente, andava devagar, e que a morte ia custar a chegar.

domingo, 20 de julho de 2025

 

O diabo e o bom Deus

            O diabo saiu de cena. Ninguém mais o teme como antigamente. Hoje todos temem a Deus, como se Ele fosse vingativo e mau. Se Ele é todo amor, jamais castigará alguém. O diabo, aproveitando dessa mudança de foco, foi para os púlpitos disseminar o preconceito, o ódio, o medo, a descriminação.

terça-feira, 8 de julho de 2025

 

Benesses

            A minha impossibilidade de participar das benesses que o mundo oferece, torna-me um desajustado, desanimado, demasiado insano. Claro que esse insano foi colocado aqui para quebrar essa necessidade de produzir, sonoramente, musicalidade no texto.
            Mas voltando às benesses oferecidas pelo mundo, o que estou recebendo atualmente são afagos no ego, que não me levarão a lugar nenhum.
            Tudo desabou. Eu já não sou mais aquele que acredita em Papai Noel. O bom velhinho morreu e eu estou aqui sem ter para onde ir. Já não sigo com entusiasmo. A realidade flechou em mim.

sábado, 5 de julho de 2025

 

Fantasmas pelados

            Os fantasmas sempre aparecem vestidos de branco, esvoaçantes, envoltos em uma fumaça meio imperceptível.
            Eu acho que lá no reino fantasmagórico, como eles já se livraram da existência aqui na terra, deveriam andar todos pelados, pois, não faz sentido flanar vestidos entre uma investida e outra, no seus propósitos de intimidar. E tem uma coisa: se eles viessem pelados assustariam muito mais.

quarta-feira, 2 de julho de 2025

 



O homem do prato

            Na orquestra o homem do prato é um sujeito de personalidade. Exerce a sua função de incomodar como o boxeador, que dá socos, joelhadas, pontapés e cotoveladas no saco de pancadas. Que diacho o levou ali, extirpando o tímpano da plateia e de todos as membros da orquestra?

sábado, 28 de junho de 2025

 

Os mapas da vaca

            Eu me abstraí nas manchas dos pelos das vacas. Quantos continentes existem ali, como num mapa mundi, disfarçando as picanhas, as costelas, as fraldinhas e as maminhas, que logo serão destrinchadas.

segunda-feira, 23 de junho de 2025

 

A cidade me violentou

            Hoje eu não passarinho, nem árvoro, nem sonho. Hoje eu concreto, eu carro, eu congestiono. Não porque quero, e sim, porque a cidade me violentou.

quarta-feira, 18 de junho de 2025

 

Brincos de ouro

            Brincos de ouro enfeitam orelhas perecíveis. Orelhas perecíveis mutilam-se para suportar brincos de ouro. No fim as orelhas enfeitam o caixão. Os brincos de ouro ficam guardados. As orelhas, sem os brincos, dão sentido anatômico ao rosto do morto. Quem perde um brinco de ouro se desespera. Quem perde a cabeça vai preso.

sábado, 14 de junho de 2025

 

Começar de novo

                        O mundo está tão incompreensível que eu sempre coloco minhas observações negativas a respeito. Um dia, se algum sobrevivente achar essas observações boiando dentro de uma garrafa em um mar revolto, pode me achar pessimista, porque, quem conseguir sobreviver à grande catástrofe que está por vir, terá uma fase gloriosa, até se esquecer de todo o infortúnio e começar todo o processo de destruição novamente.

quinta-feira, 12 de junho de 2025

 

Semáforo

            O menino, de face arregalada, brilha com o semáforo ao entardecer. Ele pede, o outro ordena, e os passantes sorriem o amarelo da luz do semáforo que acaba de se acender.

sábado, 7 de junho de 2025

 

Ponto de vista

            Eu estraguei a minha mocidade. Pelo menos foi o que muitos disseram. Com muito esforço tentei ser livre, apaixonado por coisas e pessoas. Dei muitos pontapés em pedras. Tentei, de todas as maneiras não me deixar ser aviltado. Paguei um preço por isso, mas tive coragem.
            Hoje eu tenho muitas histórias para contar, e quem não estragou a sua mocidade, são, até hoje, uns chatos como sempre foram.

 

quarta-feira, 4 de junho de 2025

 

Quinze minutos de fama

            Uma tartaruga pousou na minha mente. Não sei se veio voando ou se navegando. Não senti o seu cheiro, nem o peso do seu casco - a mente nos libera disso.
            A tartaruga está aqui dentro, tentando os seus quinze minutos de fama.


domingo, 1 de junho de 2025

 

Firmeza de conduta

            Eu não crianço com pessoas de bar. Nem adulto com personalidades. Eu não consenso com ignorantes, não creio com delirantes, não consumo com inconstantes, nem me estanco quando quero voar.

quarta-feira, 28 de maio de 2025

 

A lesma

            A lesma é sóbria no caminhar. Parece que caminha para cumprir uma nobre missão. Ela anda e deixa sua marca gosmenta, como se anunciando a sua intenção.

quarta-feira, 21 de maio de 2025

 

Citadino

            O fio costura o pássaro de um poste a outro. Tudo me remete a postes, prédios, prostitutas, plugs. Não consigo abstrair-me para árvores, vento, céu azul, rios, pedras. Hoje eu me sinto excessivamente citadino.

sábado, 17 de maio de 2025

 

O intruso

            Garrafas vazias sobre a mesa ainda desarrumada de ontem. Sobraram alguns copos com restos de vinho e pratos por lavar. Foram muitas conversas desagradáveis, outras sensatas, até instrutivas. Ninguém admitiu o seu erro.
            Ela discorreu sobre seus sonhos.
            Ele, suas necessidades prementes.
            Ela tentou seduzi-lo.
            Ele não se interessou.
            Ela se desinteressou.
            Ele quis.
            Ela chorou baixinho.
            Ele a acariciou e cobrou atitude.
            Ela se descabelou, o estapeou.
            Ele sentiu prazer.
            Ela não notou.
            Ele falou difícil
            Ela fingiu não entender.
            Ele, orgulhoso, sorriu com ironia.
            Ela sentiu pena dele.
            Ele insistiu nas questões pessoais.
            Ela falou de questões ancestrais.
            Ele pediu um prazo.
            Ela aceitou.
            Ele sentiu-se leve e livre.
            Ela, confiante e só.
            Ele tentou recuar.
            Ela fincou o pé na decisão.
            Ele bebeu, fumou, ficou mudo.
            Ela fingiu o controle de tudo.
            Um inseto veio ajudar.
            Chegou sem cerimônia, embaralhando os pensamentos.
            Eles se uniram na caça ao intruso.
            Correram, bateram, se distraíram.
            Tomaram mais vinho, se abraçaram, riram.
            Ela se entregou.
            Eles se entregaram.
            Ele deu tudo de si, se empenhou.
            Ela gostou de ter ido e ficado.
            Ele jurou redobrar o cuidado.

quarta-feira, 14 de maio de 2025

 

Eu já posso pegar fogo

            Soltei uma formiga de um arranha-céu. O arranha-céu era o meu corpo
com o braço levantado. A formiga caiu no chão e saiu andando calmamente.
            Eu já posso pegar fogo. As formigas sobreviverão.

sábado, 10 de maio de 2025

 

O princípio e o fim

            Éramos eu e aminha mulher. Tínhamos afinidades intelectuais, afetivas, corriqueiras, sexuais, e vivíamos no Olimpo. Isso é importante dizer: vivíamos no Olimpo e ninguém seria capaz de nos afetar. Isso durou por muito tempo, muitos anos, mas cumplicidade, felicidade e alegria não são eternas, e um casal tem que se reciclar. Se viverem eternamente num paraíso não evoluirão, não alcançarão os níveis mais elevados, não acumularão riquezas e objetos como todos fazem.

            Então tudo que alcançamos por mérito próprio, por termos sensibilidade e disposição para o belo, o amor, terminou em uma grande confusão, onde imperou o ódio, o ciúme, a inveja, e nós, de braços dados com o egoísmo e a mentira, finalmente conseguimos nos tornar o que todos são.

quarta-feira, 7 de maio de 2025

 

    Sobre a existência do tempo

            O tempo é sólido na aparência, enigmático no pensamento, repugnante no outro, invejável no novo e inexistente na alma.       

domingo, 4 de maio de 2025

 

Conceito e lama

         Atento às insignificâncias, me desprendi do conchavo com as aparências e me joguei, viajando por bilhões de anos luz, sempre observando conceitos espúrios, e quando voltei, enlameado daquilo tudo, consegui entender que, conceito e lama andam de braços dados, e que conchavo e aparência nos transformam naquilo que os outros querem que a gente seja.

         

sexta-feira, 25 de abril de 2025

 

Suporte da natureza

            Quando criança eu fui galho. O passarinho que eu treinei para pousar sobre mim foi o responsável. Quando galho eu era fulgurante. Ia para o mato e ficava lá, dando suporte à natureza.

quinta-feira, 17 de abril de 2025

 

Perdemos o perônio

            O perônio foi praticamente abolido do vocabulário médico. Foi substituído pelo termo “fíbula”. Como que alguém pode tirar de circulação um nome tão imponente, com tanta personalidade? 
            PERÔNIO!
            Quando eu era criança, lembro-me bem, tive um amigo que, numa queda de uma escada, fraturou a tíbia e o perônio. Ele ficou tão orgulhoso de ter fraturado esses dois ossos, de nomes tão pomposos, que me influenciou, e eu virei o seu porta-voz, ao anunciar para todos da escola que ele havia fraturado a tíbia e o perônio. Coitada das crianças de hoje, que, levando um tombo da escada, fraturarão as inexpressivas tíbia e a fíbula.
           Perdeu a graça.

domingo, 13 de abril de 2025

 

O Amolador

            Não quero amolação. Ninguém quer. Eu amolo às vezes, sem perceber que estou amolando. Só depois, quando a coisa passa, e eu consigo relaxar, é que percebo. Aí já amolei, como um amolador amola uma faca ou um tesoura. Ele mutila alguns objetos para dar excelência no resultado de seus usos. O amolador nunca percebe que está amolando uma faca, mas a faca percebe, pois, apesar de ficar brilhante e com um corte magnifico, perdeu alguns gramas do seu peso. Com o tempo ela vai afinando, afinando. Isso não é bom. Mas a faca também amola. Que o diga o porco, a galinha... 

domingo, 6 de abril de 2025

 

Não pensar

            Hoje eu não quero pensar em nada. Não quero pensar em tempestade, nem em água fresca. Não quero pensar em morte, em vida, em sorte. Não quero pensar em mulher, em sexo, nem pensar em união. Não quero pensar em multidão, nem pensar em solidão. Não pensar em comunhão, nem pensar em satisfação. Nada de ciclovia, tampouco condução. Não quero pensar em cotovia, nem pensar em acomodação.
            Não quero pensar que não quero pensar.
            Não consigo.
            Vou tomar outro conhaque.

sábado, 29 de março de 2025

 

Pronto

Polípono,  polónopo,  patílogo

 Pecípito, podúboro, paléfico.

 Precípito, prontísquo, presépilo

Prismálogo, prontívoro, pronto!

quarta-feira, 26 de março de 2025

 

Isca de peixes

            A minhoca é inofensiva. Não tem o veneno da abelha, nem a picada da formiga. Ela só revolve a terra para que as plantas nasçam exuberantes. Com aquele seu gênio manso serve também para cobrir o anzol como isca para peixes.

quarta-feira, 19 de março de 2025

 






A bailarina da caixa de música

                     A bailarina da caixa de música esvoaça pelo ambiente. A música pode
ser a mesma de toda a vida, no entanto, única e prazerosa. A barra da saia da
bailarina já está gasta pelo atrito com a caixa, porém, a delicadeza de seus
movimentos a torna passarinho.

sexta-feira, 14 de março de 2025

 

O cisco

            Tudo tem o seu valor, até um cisco insignificante, principalmente se ele estiver alojado no olho de uma pessoa. Ele pode leva-la ao hospital ou acabar com a alegria de muita gente. Pode impossibilitar um presidente de pronunciar o seu discurso, ou fazer com que um motorista encoste o seu carro no acostamento; isso se ele já não tiver causado um grande acidente. O cisco tem seu valor. Um cisco tem sua importância. Eu sou um cisco. Talvez o cisco do cisco, se comparado à grandeza do universo.

            A terra é um cisco, e eu, na terra, sou insignificante. É tão difícil aceitar a nossa insignificância, mas com o passar do tempo você vai virando um cisco verdadeiro, um cisco com significado, daqueles que exigem e incomodam: o verdadeiro cisco no olho.

sábado, 8 de março de 2025

 


A festa no céu

            A gaivota mergulha e bica o peixe, antes que este coma outros peixes. O urubu brilha nas alturas procurando podre. Andorinhas bailam, ao entardecer, consumindo insetos. A festa no céu anda de braços dados com a carnificina do existir.

domingo, 2 de março de 2025

 

Nádegas

            As nádegas são mais solenes do que as bundas. Determinaram que bunda é vulgar e nádega, não. Há mulheres que não têm bunda, têm nádegas. O que elas têm não tem volume, não tem o poder de uma bunda. A função da bunda é a de despertar desejos, encantos, além de proporcionar à sua proprietária mais conforto ao sentar-se. E só! Para o homem a bunda da mulher não tem outra função senão a de despertar desejo e de sentar.

            A nádega não encanta, é só a falta de bunda, que se apropriou de um nome pomposo que pode ser dito em solenidades.

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2025

 

O vento pedia luz

            Hoje eu acordei nas adjacências da alma, e não entendi porque o vento pedia luz.       Foi na roda da bicicleta que ele pousou, e ela, estática, apesar de uma forte coceira no pedal do lado esquerdo, permaneceu quieta ali, em silêncio, com medo do vento sair para ventar em outras paragens.

sábado, 22 de fevereiro de 2025

 

Gagá

            Eu espero viver ainda por muitos anos, até ficar gagá. Seria maravilhoso xingar pessoas, cuspir no chão, parar o trânsito com a bengala. Isso não tem acontecido. Ainda sou cordial. Primo pelo respeito às normas estabelecidas. Ainda estou consciente. Às vezes deslizo na falta de compostura, mas não deixo que ninguém note. Minha perspectiva de gagazisse tem diminuído de acordo com a perspectiva de toda a humanidade. Não é um mérito adiar a gagazisse, e sim, contingencias da época em que vivemos. Contingências de um mundo com suas cápsulas e tratamentos geriátricos. Claro que esse mundo  só é alcançado por uma parte ínfima da população, e eu, pretensiosamente, me incluo nele. 

            Já passou da hora. Não consigo mais ser respeitoso e cordial.

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2025

 

O canto das sereias

            Não adianta o vaga-lume estrelar a noite. Não adianta a borboleta encantar o dia. Nada detém a fúria dos homens. A humanidade é um desastre progressivo. Só alguns poucos ouvem o canto das sereias.

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025

 

Feio

            Eu não sei se a flor é linda porque a gente quer que ela seja ou porque ela é linda e pronto. A flor, uma rosa, é, até certo ponto, feia e sem razão de ser. Pétalas vermelhas, brancas, amarelas, rosas, umas por cima das outras, e aqueles espinhos, sempre prontos a espantar herbívoros e a furar os nossos dedos. A flor é feia. É duro constatar. Agora eu fiquei triste. Gente é feio, gente é horrível, gente é necessário. Um braço é a coisa mais feia que existe. Um rosto, o nariz com dois buraquinhos que ás vezes escorre é muito feio. A orelha é horrorosa, e ainda por cima cresce com o tempo. Só não é feia as orelhas, os braços e o nariz da mulher amada. Os órgãos sensoriais, separadamente, ou a falta de um deles no conjunto da obra é um desastre. Sobre a língua, nem é bom comentar.

            O chocolate é muito gostoso, mas um pedaço de chocolate amolecido, espalhado com o dedo sobre um vaso sanitário é repugnante. Até o cheiro de merda exala no ar. Tudo é uma ilusão. Uma manhã de sol encanta mais do que tudo isso, porque a manhã de sol é só a manhã de sol, e o sol, sábio como é, nem permite que a gente fixe o olhar nele para acha-lo também feio. Manhã de sol é mais uma ilusão. Baseado nessa constatação, há de se considerar que a rosa também é uma ilusão, como a manhã de sol, só que ela não nos ofusca com a sua claridade.

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025

 

Carros

            Passa um carro movido a barulho. Logo, um outro movido a fumaça. Um terceiro se move em xingamentos, um outro é movido a imprudência. Temos os que exalam amor, os que excedem na alegria e os que disseminam a discórdia. Entre vários outros, temos os que se movem em direção à morte. Estes sim, causam um grande movimento no movimento dos carros.

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2025

 

Se o mundo fosse das crianças

            Brincadeira de criança: sal na lesma a deixa pequenina. Ninguém se incomoda com o sofrimento dela. Correr para chutar pássaros é melhor do que admirá-los. Chamar vesgo de vesgo, aleijado de aleijado, gordo de gordo, sem pensar nas consequências, sem piedade, é tarefa das crianças.

            Esse é apenas um estágio, antes delas se tornarem cidadãs de bem. Se o mundo fosse das crianças ele seria bem pior.

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2025

 

Tema de fato

         Um fio de cabelo desprendeu-se de mim e colou na poesia. Ficou lá, feito um cabelo no prato. Eu revi meus conceitos, e o cabelo, virou tema de fato.